Cumprir a meta fiscal e resgatar o equilíbrio estrutural das contas públicas será um objetivo bem mais desafiador do que se espera. Sem alterar a dinâmica do gasto público ou reduzir a rigidez das despesas obrigatórias, o buraco no Orçamento não apenas não será coberto, como tende a crescer.
A edição mais recente do Relatório de Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado traz uma reflexão importante sobre a diferença entre o objetivo e a direção na análise da evolução das despesas primárias no curto prazo. As metas expressas pelo novo arcabouço fiscal simplesmente não se coadunam com o comportamento do gasto público.
Em setembro, segundo a IFI, a despesa primária do governo central alcançou a marca de R$ 157,5 bilhões, um aumento real de 10,7% em relação ao mesmo mês de 2022. Os gastos previdenciários tiveram alta de 7,1%, um crescimento relacionado tanto ao crescimento no número de benefícios quanto ao aumento do salário mínimo. Desembolsos com pessoal e encargos sociais subiram 2,1%, em razão do reajuste dos servidores. Dispêndios obrigatórios com controle de fluxo, como o Bolsa Família, avançaram 49,7%, em parte porque o antigo Auxílio Brasil, em vigor até o ano passado, havia sido pago com crédito extraordinário.
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Não foi um comportamento pontual. De janeiro a setembro, a despesa primária somou R$ 1,487 trilhão, alta real de 5,1% em relação aos nove primeiros meses do ano passado. Gastos com abono salarial e seguro-desemprego cresceram 7,3%; a complementação da União ao Fundeb, para bancar o piso dos professores da rede pública, avançou 10,6%; e o Bolsa Família aumentou 20,5%.
De janeiro a setembro, a maior redução nos gastos se deu nas despesas discricionárias, de 17,39%. Mas essa queda não significa cortes definitivos, mas apenas bloqueios orçamentários temporários e o cronograma de desembolsos dessa despesa, concentrada no fim do ano. Não é uma manobra nova. Diante da impossibilidade de mexer nos gastos obrigatórios, as despesas discricionárias costumam pagar o preço imediato da política fiscal – ao menos nos primeiros meses do ano.
Isso explica muito sobre o movimento que os parlamentares têm feito para segurar a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024. Entre os artifícios que o relator, Danilo Forte (União-CE), cogita adotar estão limites para o contingenciamento de emendas, um calendário para o pagamento dessas indicações e até a criação de um novo tipo de emenda impositiva – a emenda de liderança.
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Para o ano que vem, o governo pressupõe que as despesas primárias serão mantidas praticamente estáveis, em 19,2% do Produto Interno Bruto (PIB), ante 19,1% neste ano. Tal projeção parte de premissas no mínimo questionáveis, como uma redução de 8% nos gastos previdenciários motivada por um pente-fino nos cadastros, operação cujo sucesso, segundo a IFI, é “crucial” para a materialização do cenário esperado pelo governo.
Não é apenas no comportamento das despesas que é possível perceber a diferença entre objetivo e direção da política fiscal. Há, na verdade, uma incoerência entre o discurso e a prática do Executivo e do Legislativo nesse tema. Quando as principais despesas da União crescem acima da inflação, não há maneira de dourar a pílula: é preciso aumentar a arrecadação para bancá-las e propor reformas para reduzi-las.
O governo fala em recuperar receitas, o que dá na mesma, mas suas medidas para taxar fundos exclusivos e offshore e para acabar com a dedutibilidade dos juros sobre capital próprio (JCP) repousam no mesmo Congresso que deu aval ao arcabouço fiscal. Até agora, o plano de caça dos jabutis tributários do ministro Haddad não saiu do papel, mas o Legislativo trabalha intensamente para mantê-los e até ampliá-los na reforma tributária.
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Assim, resta ao governo recorrer aos tradicionais contingenciamentos, que retroalimentam o desgaste na relação com o Legislativo, e torcer para que o Congresso não cumpra a ameaça de engessar ainda mais o Orçamento por meio das emendas parlamentares. Até quando?